Órgão julgador: Turma, unânime, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, j. em 21.2.2022).
Data do julgamento: 19 de dezembro de 2006
Ementa
AGRAVO – Documento:6967864 ESTADO DE SANTA CATARINA TRIBUNAL DE JUSTIÇA Apelação Nº 5017686-54.2023.8.24.0038/SC DESPACHO/DECISÃO OMNI S/A – CRÉDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTOS interpôs APELAÇÃO contra a sentença proferida nos autos da ação revisional, que tramitou no Juízo de Direito da Unidade Estadual de Direito Bancário, na qual foi julgado procedente, em parte, o intento autoral, com a ordem para redução dos juros remuneratórios à média de mercado, acrescida de 50%, o afastamento da cobrança de honorários advocatícios extrajudiciais, bem como a condenação da ré na repetição simples do que foi pago em excesso.
(TJSC; Processo nº 5017686-54.2023.8.24.0038; Recurso: Agravo; Relator: ; Órgão julgador: Turma, unânime, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, j. em 21.2.2022).; Data do Julgamento: 19 de dezembro de 2006)
Texto completo da decisão
Documento:6967864 ESTADO DE SANTA CATARINA TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Apelação Nº 5017686-54.2023.8.24.0038/SC
DESPACHO/DECISÃO
OMNI S/A – CRÉDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTOS interpôs APELAÇÃO contra a sentença proferida nos autos da ação revisional, que tramitou no Juízo de Direito da Unidade Estadual de Direito Bancário, na qual foi julgado procedente, em parte, o intento autoral, com a ordem para redução dos juros remuneratórios à média de mercado, acrescida de 50%, o afastamento da cobrança de honorários advocatícios extrajudiciais, bem como a condenação da ré na repetição simples do que foi pago em excesso.
Aventou, de início, a falta de interesse de agir da autora porque o contrato foi renegociado e quitado. Incursionando no mérito, defendeu que a taxa média de mercado divulgada pelo Banco Central do Brasil não pode ser utilizada como único parâmetro para aferição de abusividades e asseverou que os juros remuneratórios não comportam revisão porque, além de terem sido expressamente aceitos, não revelam abusividade diante do perfil de alto risco da contratante. Pleiteou a manutenção da mora e da cláusula que prevê a cobrança de honorários extrajudiciais. Por fim, a redistribuição dos ônus sucumbenciais.
Após apresentadas as contrarrazões, os autos ascenderam a esta Corte de Justiça.
1. A recorrente aventou a ausência de interesse de agir da autora porque o pacto questionado foi quitado com o pagamento de montante inferior ao originalmente devido.
Indo direto ao ponto, ainda que Joice tenha solvido a obrigação assumida com a ré, isso não convalesce eventuais abusividades que inquinam o pacto, de modo que é possível revisar os encargos exigidos a fim de reaver o que porventura tenha sido cobrado em excesso (veja-se, a propósito: TJSC –Apelação nº 5051517-70.2022.8.24.0930, da Unidade Estadual de Direito Bancário, Quinta Câmara de Direito Comercial, unânime, rel. Des. Silvio Franco, j. em 25.4.2024; Apelação Cível nº 0003741-28.2012.8.24.0020, de Criciúma, Quarta Câmara de Direito Comercial, unânime, rel. Des. José Carlos Carstens Köhler, j. em 30.1.2018). Aliás, ainda que a autora tenha realizado acordo extrajudicial para o adimplemento da dívida, o que efetivamente foi pago deverá ser apurado em cumprimento de sentença porque as abusividades convencionados no instrumento contratual não evaporam com o pagamento do saldo devedor.
2. Pelo princípio da autonomia da vontade, os capazes podem contratar sem amarras. Entretanto, tal princípio não é aplicável indistintamente, de modo que deve-se atentar para os limites da ordem pública e da função social do contrato (CC, art. 421). De igual modo, o pacta sunt servanda, mandamento jurídico que preconiza que o acordo de vontades faz lei entre as partes, também deve ser flexibilizado a fim de inibir-se a estipulação de cláusulas que porventura desequilibrem a relação contratual, pondo o consumidor em desvantagem exagerada (CDC, art. 51, inc. IV) ou, ainda, que tornem a obrigação excessivamente onerosa para o contratante (CDC, art. 51, § 1º, inc. III) (nesse sentido: TJSP – Apelação Cível nº 1002044-39.2022.8.26.0572, de São Joaquim da Barras, Trigésima Sétima Câmara de Direito Privado, unânime, rel. Des. Sérgio Gomes, j. em 9.1.2023).
Essa linha de raciocínio ganha força na medida em que se notam disposições contratuais que vão de encontro a normas de ordem pública e de interesse social, como as previstas no Código de Defesa do Consumidor (CDC, art. 1º), as quais são inderrogáveis ainda que essa fosse a vontade dos interessados (José Geraldo Brito Filomeno, "Direitos do Consumidor", 15ª ed., São Paulo: Atlas, 2018, pág. 13).
Indo direto ao ponto, é possível, de forma excepcional, a revisão da taxa de juros remuneratórios posta em contratos de mútuo – sobre os quais incidirão as regras emanadas da legislação consumerista – desde que a abusividade fique cabalmente demonstrada, ou seja, quando o consumidor for posto em desvantagem exagerada (STJ – Agravo Interno no Recurso Especial nº 1.920.112/PR, Terceira Turma, unânime, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, j. em 21.2.2022).
J. K. M. V. entabulou contrato de financiamento de veículo com Omni S/A e, acoimando de abusivos os juros remuneratórios estipulados, busca a revisão do pacto e a mitigação da respectiva taxa.
Sabe-se que "a estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade" (STJ – Súmula nº 382) e que a taxa média divulgada pelo Banco Central do Brasil representa mero referencial para a constatação de excessividades. É somente perante as particularidades iridescentes do caso concreto que a onerosidade do percentual compensatório poderá ser apurada. Para isso, levar-se-á em consideração circunstâncias, tais qual "o custo da captação dos recursos no local e época do contrato; o valor e o prazo do financiamento; as fontes de renda do cliente; as garantias ofertadas; a existência de prévio relacionamento do cliente com a instituição financeira; análise do perfil de risco de crédito do tomador; a forma de pagamento da operação, entre outros aspectos" (STJ – Recurso Especial nº 1.821.182/RS, Quarta Turma, unânime, relatora Ministra Maria Isabel Gallotti, j. em 29.6.2022).
Desvela-se do instrumento contratual sacramentado entre Joice e Omni que os juros remuneratórios pactuados destoam significativamente da contemporânea média de mercado e, ainda que tenha tido oportunidade para fazê-lo, a instituição financeira não comprovou que a anabolização dos compensatórios foi pautada em concretas condições desfavoráveis para a concessão do crédito. Na verdade, a narrativa ventilada pela ré é genérica, abstrata, e, por isso, não tem o condão de justificar a incidência de taxas elevadas.
Eis a discrepância identificada:
ContratoDataJuros pactuadosMédia de mercadoSérie Bacen1.02149.0000218.17 (Evento 1, CONTR8)30.5.20174,19% a.m e 63,65% a.a1,83% a.m e 24,25% a.a25471 e 20749 - Aquisição de veículos
Diante da nítida onerosidade excessiva a que a consumidora foi exposta no referido contrato, as taxas de juros remuneratórios devem ser minoradas para equivalerem à contemporânea média de mercado (TJSC – Apelação nº 5002301-06.2020.8.24.0189, de Santa Rosa do Sul, Quinta Câmara de Direito Comercial, unânime, relatora Desembargadora Soraya Nunes Lins, j. em 25.4.2024), sendo que "a procedência dos pedidos formulados em ação revisional de contrato bancário possibilita tanto a compensação de créditos quanto a devolução da quantia paga indevidamente, em obediência ao princípio que veda o enriquecimento ilícito" (STJ – Agravo Interno no Recurso Especial nº 1.679.635/PR, Quarta Turma, unânime, relator Ministro Antonio Carlos Ferreira, j. em 10.8.2020).
3. Comprovada a abusividade de encargo cobrado no período da normalidade contratual, deve ser descaracterizada a mora do consumidor, conforme entendimento estabelecido no Tema 28 do Superior Tribunal de Justiça ["o reconhecimento da abusividade nos encargos exigidos no período da normalidade contratual (juros remuneratórios e capitalização) descaracteriza a mora"].
Ademais, dada a revogação da Súmula nº 66 deste Tribunal, o afastamento da mora prescinde do depósito do valor incontroverso da dívida.
4. Está previsto no contrato entabulado entre as partes que, na hipótese de atraso no pagamento, à consumidora serão repassadas "as despesas de cobrança, judicial ou extrajudicial, incluindo custos de postagem de carta de cobrança, cobrança telefônica, envio de SMS, notificações, protesto e inclusão dos meus dados e do Devedor Solidário nos órgãos de proteção ao crédito" (cláusula 9 – Evento 1, CONTR8).
Tal cláusula é abusiva porque não há reciprocidade da responsabilidade entre os contratantes, de modo que deve ser afastada, como de fato foi (a propósito: TJSC – Apelação Cível nº 0017460-79.2013.8.24.0008, de Blumenau, Terceira Câmara de Direito Comercial, unânime, rel. Des. Jaime Machado Júnior, j. em 1º.10.2020; TJSC – Apelação Cível nº 2011.026849-3, de Ascurra, Quinta Câmara de Direito Comercial, unânime, relatora Desembargadora Soraya Nunes Lins, j. em 23.8.2012).
5. Sopesando-se os pleitos formulados na inicial e o que foi julgado no veredito vergastado, vê-se que a autora teve êxito em parte da sua pretensão. Por isso, diante da sucumbência recíproca, agiu com acerto o magistrado singular ao equalizar a verba sucumbencial na proporção do (in)sucesso de cada contendor.
6. Desprovido o apelo, fixo em 5% sobre o valor atualizado da condenação os honorários recursais (CPC, art. 85, § 11).
À luz do exposto, conheço do recurso e, com fulcro no disposto no artigo 932, inciso VIII, do CPC c/c artigo 132, inciso XV, do RITJSC, nego-lhe provimento.
assinado por ROBERTO LEPPER, Desembargador Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://2g.tjsc.jus.br//verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 6967864v6 e do código CRC b5d18eed.
Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): ROBERTO LEPPER
Data e Hora: 12/11/2025, às 14:46:07
5017686-54.2023.8.24.0038 6967864 .V6
Conferência de autenticidade emitida em 16/11/2025 16:04:29.
Identificações de pessoas físicas foram ocultadas